No vasto e acelerado campo da tecnologia, as mulheres ainda enfrentam um caminho íngreme e cheio de obstáculos, onde a presença masculina domina esmagadoramente. Vivi essa realidade na pele, e minha trajetória foi inspirada por mulheres pioneiras que, antes de mim, abriram caminho em um setor notoriamente difícil. Ada Lovelace, a primeira programadora da história; Grace Hopper, criadora do primeiro compilador de linguagem de programação, e Radia Perlman, conhecida como a “mãe da internet” por seu trabalho na criação do protocolo Spanning Tree, são apenas algumas das gigantes que pavimentaram o caminho.
Mas mesmo após anos de luta e conquistas, o setor permanece absurdamente desequilibrado. Como transformar a inovação em uma porta de entrada para o aumento da participação feminina na produção de PIB deste setor e ocupação de posições e liderança?
Uma abordagem é que a resposta passa pelo protagonismo feminino nos resultados da educação; pelo protagonismo no seu espaço de trabalho e pela sororidade e reconhecimento de mulheres que inspiram.
Na minha visão, o fortalecimento da consciência feminina do que pode e do quanto é capaz é uma arma poderosa.
Segundo dados divulgados pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), o aumento da participação feminina no setor de tecnologia foi de 60% entre 2015 e 2022 no Brasil, um crescimento que pode parecer promissor. No entanto, esse aumento não mascara a realidade ainda dominada por homens.
Apesar desse progresso, o mercado de tecnologia continua a ser um ambiente predominantemente masculino, com 83,3% das posições ocupadas por homens e apenas 12,3% por mulheres.
A desigualdade se intensifica em áreas especializadas como full-stack, infraestrutura e back-end, onde a proporção chega a 10 homens para cada mulher, conforme dados da pesquisa da Revelo, publicada neste ano.
Essa disparidade levanta uma questão crítica: por que, mesmo com a crescente participação feminina, o cenário ainda parece tão desfavorável para as mulheres?
Verdade é que, parte da resposta reside em um conjunto complexo de fatores que vão desde estereótipos de gênero enraizados até a falta de apoio institucional e de redes de mentoria eficazes. As mulheres na tecnologia enfrentam desafios únicos, como a sub-representação em cargos de liderança e a falta de modelos de referência, o que perpetua a visão de que a tecnologia é um campo essencialmente masculino.
Mas, há também áreas tecnológicas em que mulheres estão assumindo um protagonismo ímpar. Exemplo disto são as áreas de biotecnologia e saúde.
Na minha startup Biosens, somos 67% de mulheres, somos o maior número de profissionais com mestrado e doutorado, além de ocuparmos cinco das seis funções de gestão. A Biosens é fora da curva! Me orgulho disto!
Caminhos para ampliar a participação de mulheres
É fundamental adotar uma abordagem multifacetada. Primeiramente, investir em educação e capacitação específica para mulheres desde cedo, incentivando o interesse em tecnologia e ciências exatas. Além disso, as empresas precisam rever suas políticas internas, garantindo que processos de recrutamento, promoção e remuneração sejam justos e equitativos.
Redes de mentoria e apoio também desempenham um papel crucial. Iniciativas que conectam mulheres em tecnologia, tanto em níveis iniciantes quanto em posições de liderança, podem fornecer o suporte necessário para superar desafios comuns e promover o crescimento profissional.
A transversalidade do conhecimento, que conecta diferentes áreas do saber e potencializa a inovação, pode ser a chave para abrir novas portas para as mulheres no setor de tecnologia. Com habilidades que vão além da programação, como pensamento crítico, colaboração e liderança, as mulheres estão cada vez mais preparadas para assumir papéis de destaque.
Lideranças femininas que me inspiram
Apesar das dificuldades, existem histórias inspiradoras de mulheres que estão quebrando barreiras e liderando empresas de tecnologia, tanto no Brasil quanto no mundo. Um exemplo notável é Cristina Junqueira, cofundadora do Nubank, que tem se destacado no mercado financeiro com uma abordagem inovadora e inclusiva.
No cenário internacional, Sheryl Sandberg, que deixou o cargo de diretora de operações da Meta em 2024 após 14 anos, é um modelo de liderança feminina que defende a igualdade de gênero e a inclusão no local de trabalho, tendo criado o movimento Lean In, que inspira e apoia mulheres ao redor do mundo a buscar posições de liderança. Ela foi eleita uma das 100 pessoas mais influentes pela revista Times.
Susan Wojcicki, ex-CEO do YouTube, é outra figura importante, tendo sido uma das primeiras funcionárias do Google e uma das principais responsáveis pelo crescimento explosivo do YouTube como a maior plataforma de vídeos do mundo. Ginni Rometty, que foi CEO da IBM, também deixou um legado poderoso, liderando a empresa em sua transição para a inteligência artificial e a computação em nuvem, sempre com um olhar voltado para a inclusão e a diversidade.
Essas mulheres não apenas alcançaram sucesso em suas respectivas áreas, mas também abriram portas para a próxima geração de líderes femininas em tecnologia, provando que é possível superar as barreiras e redefinir as normas em um setor historicamente dominado por homens.
Por um mercado de tecnologia mais inclusivo
À medida que mais mulheres ingressam e se destacam no setor, a indústria se torna mais rica em perspectivas e inovação. A transformação, porém, exige ação concertada e comprometida, desde políticas institucionais até a mudança de mentalidade na sociedade como um todo.
É hora de não apenas celebrar os avanços, mas também de reconhecer as barreiras persistentes e trabalhar ativamente para derrubá-las. A tecnologia do futuro precisa ser construída por todos, e a inclusão feminina é essencial para garantir que esse futuro seja realmente inclusivo e diverso.
Susana Kakuta é Diretora-geral do Sesi-RS, Senai-RS e IEL-RS, empreendedora em série e especialista em inovação. Foto: divulgação