Jovens cientistas são a matéria-prima da minha (e de todas) deeptech
Susana Kakuta
Estrategista em Inovação de Impacto | Empreendedora em série | Especialista em gestão de Startups
Muitos fatores determinam a maturidade de um ecossistema de startups. Cooperação da quádrupla hélice, capacitação empreendedora, uso intensivo de tecnologias digitais, políticas públicas coerentes com inovação e gestão profissional de processos estão entre os que abordo exaustivamente por aqui. Mas tem outro igualmente importante, e pouco problematizado: O quanto a gente investe na formação de novos cientistas aptos para o mercado de inovação?
Empresas de base tecnológica, sobretudo startups no segmento de deeptechs, demandam bem mais que líderes empreendedores para ter sucesso. O papel de pesquisadores científicos é fundamental para impulsionar novas descobertas em inúmeros setores, e são matéria-prima para empresas que operam na fronteira da inovação.
Estudos indicam que aproximadamente 50% das startups de deeptech são fundadas por PhDs, e muitas dessas empresas possuem extensos portfólios de patentes. Por outro lado, encontrar jovens cientistas para encabeçar esses avanços é uma tarefa desafiadora. Falo com propriedade de causa. Na Biosens, deeptech de biotecnologia que ajudei a fundar, a demanda por jovens cientistas é cada vez mais latente.
Nossa sorte é que, por operarmos no parque tecnológico de uma das principais universidades da região, a Universidade do Vale do Rio dos Sinos, podemos beber direto da fonte para captar novos talentos. Nossa pesquisadora lider, por exemplo, é uma jovem cientista de 28 anos, a Julia Konzen. Ela tem um currículo de peso e lidera outros jovens inquietos no desenvolvimento do produto de maior maturidade tecnológica da Biosens. “Nós, jovens, vivemos em aprendizado contínuo, incorporamos facilmente novas tecnologias e métodos na nossa rotina e trabalho. Somos flexíveis, adaptativos, curiosos e, no caso das pessoas que trabalham comigo, somos persistentes”, relata Julia.
Mas não são todas as deeptechs que têm a nossa sorte de ter a Julia. Para amadurecer o ecossistema de startups, precisamos munir os mestres e doutores oriundos da academia com habilidades empreendedoras para que possam combinar sua capacidade de inovar com visão mercadológica aguçada.
Mesmo assim, segundo o UNESCOScience Report de 2021, de 2010 a 2015, o número de bolsas de doutorado concedidas pela CAPES quase dobrou. Mas, após progredir a uma média de 14% ao ano até 2015, o ritmo de crescimento desacelerou para apenas 4% ao ano até 2018. A participação de mulheres cientistas, por outro lado, subiu. Em 2017, elas representavam 54% dos graduados no Brasil, sendo maioria na área de ciências da saúde (67%). Infelizmente não há dados consolidados mais recentes (pelos menos que eu tenha encontrado)… mas eu creio num avanço significativo: tanto na formação de mestres e doutores no Brasil quanto no percentual de presença feminina na inovação.
“Estamos onde deveríamos estar: fazendo inovação”. Esta frase da Julia é a síntese do empoderamento feminino, e do importante papel da juventude, para alavancar a nova economia no país.
Os desafios que se apresentam
Embora haja um crescimento expressivo de jovens cientistas no Brasil, ainda enfrentamos desafios estruturais e culturais relevantes. Bolsas pouco atrativas, falta de financiamento e infraestrutura de laboratórios precária são alguns deles. Outro desafio é o desprestígio da carreira acadêmica e a falta de pesquisa aplicada à indústria. No Brasil, o conhecimento gerado nas universidades poucas vezes extrapola o campus. Para superar esses desafios, os jovens pesquisadores adotam diversas estratégias, como buscar colaboração internacional, diversificar suas fontes de financiamento e engajar-se em redes de apoio.
O papel da nova geração de cientistas tem sido fundamental para o crescimento no número de novas patentes na América Latina. Essas patentes fornecem uma vantagem tecnológica significativa e ajudam a proteger o valor das empresas antes que elas atinjam a viabilidade comercial; Na década passada, o Rio Grande do Sul despontou entre os estados com maior número de mestres e doutores. Transformar esse contingente em protagonistas de novas descobertas para o mercado de inovação deve ser prioridade. Por aqui, no RS, há políticas importantes que fomentam a presença de doutores no contexto empresarial, a exemplo do programa Doutor na Empresa.
Todo jovem cientista tem o potencial para liderar startups na vanguarda tecnológica. Mas, para isso, precisamos encontrar meios para melhor aproveitar a capacidade desses talentos e transformá-los em líderes da nova economia.