Escalar uma startup nunca é apenas sobre tecnologia ou mercado: envolve escolhas arriscadas, dores prolongadas e apostas que podem definir a sobrevivência ou o fim de uma empresa. Essa foi a tônica dos painéis “De Empreendedores a Multipliers” e “Da Garagem ao Mundo”, que reuniram fundadores da Omie, Swap, Azion, Rocket.Chat e Zenvia na Semana Caldeira, em Porto Alegre.
Seja no eixo nacional ou internacional, os empreendedores mostraram como negócios que nasceram em garagens ou em pequenos escritórios se transformaram em empresas líderes de seus segmentos. Entre eles, três cases gaúchos — Azion, Rocket.Chat e Zenvia — que projetaram o ecossistema local para o mundo.
No centro das conversas esteve um desafio comum: como transformar negócios em crescimento em companhias capazes de se manter competitivas no longo prazo. Dos dilemas de financiamento às escolhas de canais de vendas, da relação com clientes-âncora ao uso da inteligência artificial, os relatos revelaram que escalar exige tanto estratégia quanto resiliência.
A difícil arte de escolher um caminho
Marcelo Lombardo, CEO e fundador da Omie, relatou que o grande salto da empresa não veio do investimento pesado em marketing digital, mas da criação de uma rede de contadores parceiros. “É impossível para uma equipe pequena executar vários canais ao mesmo tempo. Tínhamos oito meses de caixa e foi preciso dar all-in nessa estratégia”, contou. Hoje, a empresa se tornou referência nacional em ERP para pequenas e médias empresas.
Na Swap, que nasceu oferecendo soluções de banking as a service, o CEO Ury Rappaport destacou a importância de encontrar uma vertical antes de expandir. A startup viu nos benefícios flexíveis a primeira oportunidade de escalar e, a partir daí, criou novos produtos e abriu portas para gastos corporativos. “O dilema era: atender todo mundo de forma ruim ou ser segmentado. A decisão de apostar em um segmento mudou nossa trajetória”, afirmou.
Do Sul para o mundo
No painel “Da Garagem ao Mundo”, os gaúchos mostraram como empresas locais podem se tornar players globais. Rafael Umann, da Azion, lembrou que um contrato âncora com a RBS foi decisivo para sustentar os primeiros anos. Hoje, a empresa é referência em soluções para acelerar e proteger aplicações digitais, atendendo setores como financeiro, logística e governo.
Já Gabriel Engel, da Rocket.Chat, destacou que o crescimento veio quando a plataforma de comunicação foi disponibilizada como código aberto, ganhando tração internacional em comunidades de desenvolvedores. Hoje, a empresa é usada até pela Força Aérea dos Estados Unidos, com foco em privacidade e soberania de dados.
Na Zenvia, o fundador e CEO Cássio Bobsin reforçou que a evolução da companhia, nascida em uma garagem em Porto Alegre, esteve ligada à capacidade de transformar comunicação em escala para empresas. Após duas décadas, a empresa se consolidou no mercado latino-americano de experiência do cliente, integrando mensagens e inteligência artificial em suas soluções.
Crescer é resistir às dores
Apesar das histórias de sucesso, os empreendedores concordaram que a jornada exige sacrifícios prolongados. Umann resumiu: “Empreender no Brasil é dobrar a conta: não são cinco, mas dez anos de sofrimento até chegar a uma base sólida.” Engel completou dizendo que só a paixão pelo problema mantém a energia necessária: “Ou você se apaixona pela jornada, ou não terá força para chegar lá.”
Outro ponto em comum foi a forma de lidar com capital e ciclos de investimento. Enquanto Lombardo alertou que “muito dinheiro no início atrapalha”, Rappaport destacou a importância de aproveitar janelas de captação. Ambos concordaram que, sem fundamentos sólidos e unidade econômica equilibrada, a startup não resiste às mudanças do mercado.
IA como motor de transformação
Um tema inevitável nos dois painéis foi a inteligência artificial, hoje já integrada a quase todos os processos das empresas. Para Engel, a IA deixou de ser diferencial e virou requisito básico de competitividade: “Quem nasce agora precisa pensar em modelos AI first, não em estruturas humanas primeiro.”
Na visão de Umann, da Azion, a adoção da IA é antes de tudo um desafio cultural. “É preciso desmistificar o medo de substituição e mostrar que a tecnologia serve para crescer mais rápido, não para cortar pessoas. A transformação começa pelas pessoas que abraçam essa mudança”, afirmou.
Seis lições consolidadas dos painéis
- Foco é vital: não é possível abraçar todos os canais ou segmentos de uma vez; é preciso priorizar.
- Clientes-âncora são estratégicos, mas perigosos: ajudam a financiar o início, mas podem levar à dependência excessiva.
- Resiliência é a moeda do empreendedorismo: o “sofrimento” dos primeiros anos é inevitável e deve ser encarado como parte da jornada.
- Capital deve ser usado com equilíbrio: captar no momento certo é essencial, mas dinheiro demais no início pode ser tão nocivo quanto a escassez.
- Cultura é motor de escala: founders precisam reinventar seu papel ao longo da trajetória.
- IA já é requisito básico: empresas que não a integrarem em seus processos e produtos correm risco de perder relevância.
Semana Caldeira
Instituto Caldeira – Travessa São José, 455, Navegantes, Porto Alegre (RS)
29 de setembro a 3 de outubro de 2025
Ingressos gratuitos: Link