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Reconhecimento concedido ao geólogo Carlos Henrique Grohmann durante o 1º Encontro Brasileiro de Aviação Pública Não Tripulada, realizado entre 25 e 28 de novembro em Brasília, valoriza a atuação do professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP na disseminação de ferramentas abertas para processamento de dados de drones, formação técnica de servidores e aplicação do geoprocessamento em políticas públicas. O evento, promovido pelo Ibama em parceria com Polícia Federal, Corpo de Bombeiros de Goiás, UFG e UFSCar, reuniu mais de 100 instituições públicas
A consolidação do uso de aeronaves remotamente pilotadas no setor público brasileiro ganhou um marco institucional entre os dias 25 e 28 de novembro, em Brasília (DF), com a realização do 1º Encontro Brasileiro de Aviação Pública Não Tripulada. Promovido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em parceria com a Polícia Federal, o Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Goiás, a Universidade Federal de Goiás (UFG) e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), o encontro reuniu mais de 100 instituições públicas para discutir aplicações de drones em fiscalização ambiental, pesquisa científica, defesa civil, planejamento urbano e produção de dados estratégicos para o Estado.
Entre os destaques da programação esteve a participação do geólogo Carlos Henrique Grohmann, professor do Departamento de Geofísica do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP). Grohmann conduziu a oficina “Princípios de OpenDroneMap na administração pública”, integrou a mesa-redonda “UAS, Pesquisa Científica e demandas de Estado” e, ao final do evento, foi agraciado com o Prêmio Drone.gov na categoria “Pesquisa e Sociedade”, concedido em reconhecimento ao trabalho de divulgação científica e capacitação técnica promovido por meio do canal SPAMLab-USP, no YouTube, dedicado ao uso de software livre em geoprocessamento e ao processamento de dados de aeronaves não tripuladas.
O prêmio simboliza um movimento mais amplo de aproximação entre ciência aberta, tecnologia e políticas públicas. Ao reunir pela primeira vez instituições públicas que utilizam ou pretendem utilizar Aeronaves Remotamente Pilotadas (ARPs) de forma sistemática, o encontro evidenciou a centralidade dos dados geoespaciais na tomada de decisão governamental e a importância de soluções abertas, auditáveis e sustentáveis do ponto de vista tecnológico.
Novo modelo digital global de terreno
A atuação de Grohmann nesse campo extrapola o ambiente acadêmico. O pesquisador é um dos autores do GEDTM30, um novo modelo digital global de terreno desenvolvido com base em dados de satélite e técnicas avançadas de aprendizado de máquina, com cobertura planetária, resolução espacial da ordem de 30 metros e licença de uso totalmente aberta. É um conjunto de dados geoespaciais que pode ser utilizado em operações com drones, especialmente para fins de mapeamento e topografia. O modelo foi apresentado em estudo publicado em julho de 2025 na revista científica PeerJ Life & Environment e resulta de uma colaboração internacional envolvendo pesquisadores do Brasil, Holanda, Canadá, Luxemburgo e Alemanha.
Modelos digitais de terreno são ferramentas centrais para compreender o relevo de uma região e embasar políticas de prevenção de desastres, planejamento urbano, gestão ambiental e adaptação às mudanças climáticas. Diferentemente de muitos produtos disponíveis hoje, que são pagos ou apresentam restrições técnicas e geográficas, o GEDTM30 foi desenvolvido exclusivamente a partir de dados abertos, como os sistemas Copernicus, da União Europeia, e ALOS World3D, do Japão, combinados com informações de altura coletadas por satélites da NASA equipados com tecnologia LiDAR, como o ICESat-2 e o GEDI.
Para alcançar precisão sem perder coerência global, os pesquisadores adotaram uma abordagem de aprendizado por transferência, na qual um modelo global é treinado com bilhões de pontos de elevação e ajustado regionalmente sempre que existem dados locais disponíveis. “Criamos um modelo global e, onde possível, fizemos ajustes locais para melhorar a acurácia. A ideia sempre foi ter um modelo que mostrasse a superfície embaixo das árvores e sem as áreas urbanas, porque, por exemplo, você quer olhar a Amazônia sem a floresta e entender onde realmente estão os rios e como o terreno se comporta”, explica Grohmann.
Historicamente, muitos modelos de elevação representam apenas a superfície visível, como copas de árvores e construções, porque sinais de radar não atravessam vegetação densa nem concreto. “O sinal de radar não consegue atravessar a vegetação nem o concreto, então você acaba ficando com o topo das árvores e das áreas construídas”, relata o pesquisador. Avanços recentes em inteligência artificial permitiram filtrar esses dados e estimar com maior precisão o terreno real sob a cobertura vegetal.
Os testes de desempenho do GEDTM30 mostraram ganhos relevantes em comparação com modelos amplamente utilizados, como o Copernicus DEM. O novo modelo reduziu o erro médio em 25,4% em áreas urbanas, 10% em regiões com cobertura vegetal moderada e 27,3% em áreas com mais de 50% de cobertura vegetal, justamente os cenários mais desafiadores para o mapeamento e para a aplicação de políticas públicas.
Outro aspecto ressaltado por Grohmann, em sintonia com os debates do Encontro Brasileiro de Aviação Pública Não Tripulada, é a licença completamente aberta do GEDTM30, inclusive para fins comerciais. “Existem modelos que você pode usar apenas para pesquisa acadêmica. O GEDTM30 é aberto, gratuito e pode ser utilizado tanto por pesquisadores quanto por empresas ou órgãos públicos”, destaca. Todo o código está disponível em repositórios públicos, com infraestrutura de processamento fornecida pela OpenGeoHub.
As aplicações práticas desse tipo de dado vão muito além da pesquisa científica. Modelos digitais de terreno são usados para prever deslizamentos, mapear áreas sujeitas a inundações, orientar a ocupação do solo e apoiar ações de defesa civil. “Um dos fatores que mais influencia os deslizamentos é a topografia. Em muitos casos, o modelo de terreno dá um resultado melhor do que o de superfície, porque não inclui a floresta”, explica Grohmann, ao defender a incorporação sistemática desses dados em políticas públicas.
Durante o encontro em Brasília, representantes de diferentes órgãos reforçaram que o uso de ARPs e de modelos abertos de processamento de dados tende a se consolidar como política de Estado, ampliando a autonomia técnica das instituições públicas e reduzindo a dependência de soluções proprietárias. O Prêmio Drone.gov concedido ao pesquisador do IAG-USP reconhece exatamente essa contribuição para a interface entre ciência, tecnologia e sociedade.
O GEDTM30 já está disponível para download gratuito via repositório Zenodo e no GitHub oficial do projeto. O grupo responsável pretende mantê-lo atualizado à medida que novos dados se tornem disponíveis, sem perder de vista que modelos globais não substituem levantamentos locais de altíssima resolução, como os realizados com LiDAR aerotransportado. “O fato de existir um modelo global aberto não significa que o Estado ou as cidades não precisem investir em dados mais detalhados”, conclui Grohmann.
Referência científica
Ho YF, Grohmann CH, Lindsay J, Reuter HI, Parente L, Witjes M, Hengl T. GEDTM30: global ensemble digital terrain model at 30 m and derived multiscale terrain variables. PeerJ. 2025 Jul 24;13:e19673. https://doi.org/10.7717/peerj.19673
Sobre o IAG/USP
O Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo é um dos principais pólos de pesquisa do Brasil nas áreas de Ciências Exatas e da Terra. A missão é contribuir para o desenvolvimento do país, promovendo o ensino, a pesquisa e a difusão de conhecimentos nessas áreas, aspirando reconhecimento e liderança pela qualidade dos profissionais formados e pelo impacto da atuação científica e acadêmica. Na graduação, o IAG recebe em seus três cursos 80 novos alunos todos os anos. Já são mais de 700 profissionais formados pelo IAG, entre geofísicos, meteorologistas e astrônomos. Os quatro programas de pós-graduação do IAG já formaram mais de 870 mestres e 450 doutores desde a década de 1970. O corpo docente também tem posição de destaque em grandes colaborações científicas nacionais e internacionais.