Nenhuma outra nação promoveu, em apenas meio século, uma revolução agrícola comparável à do Brasil – e o desafio agora é garantir que esse salto seja, de fato, sustentável. Foi com essa afirmação que o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, hoje coordenador do Centro de Agronegócio da FGV-EESP e referência mundial no tema, abriu sua participação no Fórum “Seguros e Agronegócio na COP30”, realizado pela CNseg, ABAG e FGV Agro, nesta quinta-feira (20), na Casa do Seguro, em Belém (PA).
Em sua fala, Rodrigues situou o Brasil no centro da agricultura tropical mundial e destacou que o seguro rural é peça-chave para garantir renda, estabilidade e competitividade diante da escalada dos riscos climáticos extremos.
Antes de Rodrigues, o presidente da CNseg, Dyogo Oliveira, resgatou o papel histórico do ex-ministro na criação do Programa de Subvenção ao Seguro Rural (PSR) e, em seguida, chamou atenção para o tamanho das perdas já em curso.
Segundo Dyogo, o Brasil enfrenta, em média, 4.500 eventos climáticos por ano, com prejuízos econômicos que chegaram a R$ 200 bilhões no último triênio — mais da metade concentrada no agronegócio. Apesar desse cenário, a área coberta pelo seguro rural desabou de 16% da área plantada em 2020 para menos de 3% neste ano, reflexo direto do contingenciamento do PSR (Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural) — um paradoxo em plena era dos extremos climáticos.
Roberto Rodrigues aprofundou essa urgência ao defender que o agro brasileiro só cumprirá seu papel no combate global à fome, às desigualdades e à crise climática se houver uma política consistente de renda no campo, e o seguro rural é o vértice desse modelo.
Para o ex-ministro, o seguro não apenas protege o produtor, mas eleva o nível tecnológico, fortalece o crédito privado e evita ciclos de endividamento que se repetem após cada evento climático severo. Ao final, deixou uma mensagem de esperança: “o Brasil pode liderar o cinturão agrícola tropical no mundo e o seguro é condição essencial para que esse futuro se concretize”, disse.
Do gap de cobertura às respostas globais
O primeiro painel da tarde, “Seguros como instrumento de proteção da produção agrícola no contexto da transição climática: desafios do Brasil e boas práticas internacionais”, tratou do abismo entre a importância do agro brasileiro e a baixa cobertura de seguro. Mediando a conversa, Esteves Colnago, diretor de Relações Institucionais da CNseg, resumiu o impasse. “É contraditório que uma potência agrícola dependa tanto do campo e mantenha apenas 3% a 5% da área plantada segurada num momento em que o clima se torna cada vez mais instável”, disse. A partir desse diagnóstico, Colnago defendeu a revisão do modelo atual, em especial diante da redução drástica dos recursos do PSR e da maior exposição dos produtores a perdas de grande severidade.
Eduardo Brito Bastos, diretor da ABAG, destacou que cerca de 40% dos empregos do mundo estão na agricultura e que, para alimentar a população até 2050, será necessário produzir 900 milhões de toneladas adicionais de grãos. Sem salto tecnológico e recuperação de áreas degradadas, esse aumento equivaleria a desmatar uma área somada do Pará e de Minas Gerais. Para Bastos, a resposta passa por dobrar produtividade, integrar produção e sustentabilidade e reconhecer o papel singular da agricultura tropical e do Brasil na segurança alimentar global – algo que exige ciência, tecnologia e políticas públicas que reduzam a vulnerabilidade dos produtores ao clima.
Na sequência, Paulo Hora, superintendente executivo Rural e Resseguro da Brasilseg, mostrou como a tecnologia vem redesenhando o seguro agrícola. Ele explicou que a evolução em geotecnologia, modelagem de risco e desenvolvimento de produtos sob medida permite precificação mais adequada e maior aderência às realidades regionais.
Em um país em que uma única seca pode gerar 20 mil sinistros em dez dias, Hora observou que sem tecnologia seria impossível gerir esse volume com eficiência. Ao mesmo tempo, alertou que o seguro rural precisa se apoiar em bases programáticas sólidas – fundos de catástrofe, regras estáveis, previsibilidade orçamentária – para seguir viável diante da intensificação dos eventos climáticos.
O painel ganhou uma camada analítica com a participação de Pedro Loyola, coordenador da FGV Agro – OSR. Ele reforçou que não existe “bala de prata” em gestão de risco e que o seguro paramétrico, embora eficaz para pequenos produtores e regiões com riscos bem definidos, é complementar e não substitui o seguro tradicional. Loyola defendeu ajustes regulatórios e maior profissionalização da cadeia, com certificação de corretores, peritos e equipes técnicas, afirmando que o crédito rural ainda é tratado de forma amadora e precisa incorporar, de fato, gestão de risco.
Na mesma direção, Rafael Marani, diretor de Agronegócios da Allianz Seguros, destacou a urgência de simplificar contratação e regulação de sinistros, customizar coberturas e acelerar pagamentos. Para ele, o produtor só passará a enxergar o seguro como aliado estratégico quando o serviço estiver plenamente integrado ao “pacote tecnológico” da fazenda, tão indispensável quanto fertilizantes ou sementes de alta performance.
Fechando o painel, o vice-presidente da ABAG, Renato Buranello, defendeu que o seguro rural deixe de ser visto como instrumento acessório e passe a compor o “núcleo duro” da política agrícola nacional. Em sua avaliação, “só com planejamento, incentivos adequados e uma política de Estado consistente será possível construir uma agricultura sustentável e resiliente”.
Dados, inovação e resiliência em um clima extremo
O segundo painel, “Tecnologia e inovação no campo para resiliência climática”, mostrou como os dados e a conectividade estão se transformando nos novos insumos estratégicos do agro. Sob a mediação de Guilherme Bastos, coordenador da FGV, a discussão começou com Ivo Kanashiro, superintendente de Sustentabilidade da MAPFRE, destacando que produtores com boas práticas sustentáveis tendem, naturalmente, a apresentar menor risco.
Bastos ressaltou o papel da inteligência artificial, da abertura de dados e de novos modelos de subscrição para reduzir o enorme gap de cobertura do seguro rural e tornar o produto mais acurado e acessível. Na avaliação de Kanashiro, sustentabilidade funciona como catalisador: quanto mais se avança em critérios ambientais e sociais, mais robusta se torna a base para um seguro que ajude a adaptar o campo às mudanças climáticas.
Em seguida, Jairo Costa, gerente de Seguros da Syngenta, aproximou a discussão do cotidiano das fazendas. Ele lembrou que a adoção de novas tecnologias depende de proximidade, linguagem simples e demonstração prática de resultado. Polos de inovação, atuação de agrônomos e o apoio das cooperativas têm sido decisivos para vencer o desconforto inicial do produtor. Jairo citou o ecossistema Cropwise, que integra dados de satélite, índices de vegetação (NDVI) e manejo orientado para otimizar uso de insumos e elevar produtividade. Na sua avaliação, o produtor precisa enxergar retorno financeiro direto – não apenas conceitos. O compartilhamento de dados entre produtores, cooperativas, tradings e seguradoras será chave para respostas mais rápidas, manejo mais preciso e menor impacto ambiental.
A visão tecnológica foi aprofundada por Murilo Oliveira, CEO da AUDSAT, que descreveu o impacto do monitoramento diário via satélite na subscrição, no acompanhamento de risco e na regulação de sinistros. Segundo ele, a tecnologia permite substituir “suposição por evidência”: identificar datas de plantio, histórico de uso das áreas, falhas de manejo e intensidade real de eventos climáticos, reduzindo conflitos e incertezas na hora do pagamento das indenizações.
Murilo destacou também o papel da Embrapa no ZARC (Zoneamento Agrícola de Risco Climático) – Níveis de Manejo, que já direciona subvenções maiores a produtores com boas práticas, além de defender investimentos em dados climáticos, imagens de alta resolução e análise contínua como caminhos para ampliar a confiança no seguro rural e reduzir a sinistralidade.
Encerrando o painel, Léo Carvalho, diretor de Estratégia Global da Solinftec, e Raquel Martins Montagnoli, head de Sustentabilidade da CNH, trouxeram perspectivas complementares sobre inovação e conectividade. Carvalho argumentou que o produtor não precisa dominar os detalhes da tecnologia, mas receber recomendações e decisões otimizadas de forma simples, citando o uso de robôs autônomos capazes de reduzir em até 80% o uso de químicos e democratizar o manejo de precisão. Ele alertou, porém, para a escassez de capital para startups e a importância de conectar inovação, produtores e instituições de ensino em hubs regionais.
Montagnoli, por sua vez, chamou atenção para o gargalo da conectividade rural: pouco mais de um terço do território agrícola está coberto, o que limita o aproveitamento pleno das soluções digitais. Ela mostrou como telemetria, estações meteorológicas solares e práticas de agricultura regenerativa têm ajudado a elevar produtividade e reduzir perdas, especialmente em anos climáticos adversos.
Segundo Raquel, em um ano ruim, a diferença entre propriedades que incorporam essas tecnologias e aquelas que não o fazem é evidente – quem se antecipa perde menos. Ela defendeu parcerias para compartilhamento responsável de dados, respeitando a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), e a formulação de políticas que sustentem, no longo prazo, a resiliência climática do agro brasileiro.
CNseg lança ferramenta que conecta risco, conformidade e sustentabilidade
O encerramento da programação da tarde foi marcado pelo lançamento da nova Ferramenta de Conformidade Socioambiental para Seguros da CNseg, apresentada por Claudia Prates, diretora de Sustentabilidade da Confederação.
Claudia ressaltou o papel das parcerias e o compromisso do setor segurador em chegar à COP30 com entregas concretas para o campo. Para contextualizar o avanço, ela relembrou soluções já lançadas na Casa do Seguro, como o Radar de Eventos Climáticos e a Ferramenta de Riscos Climáticos, que ajudaram a dimensionar o gap de proteção e padronizar a leitura de exposição a riscos. “Os bancos já fazem isso há muito tempo. As seguradoras também consultam essas bases, mas separadamente. Nós juntamos tudo em um único ambiente para ampliar a responsabilidade na subscrição”, explicou.
Construída em aderência às novas regulamentações da Susep e do CNSP (Conselho Nacional de Seguros Privados), a ferramenta entra em operação em fases. A primeira etapa, já em funcionamento, cruza 11 bases de dados — incluindo desmatamento, trabalho escravo, áreas quilombolas e outros indicadores socioambientais — permitindo conformidade imediata mesmo antes do prazo regulatório de 180 dias. As fases seguintes, previstas até 2026, incorporarão informações do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), dados de queimadas do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), séries do MapBiomas, além de dados sobre biodiversidade e mudanças de uso do solo.
Na avaliação de Claudia, trata-se de uma solução que vai além do cumprimento regulatório: ela induz boas práticas, gera alertas e orienta seguradoras e produtores na direção de um agro mais sustentável.
A diretora resumiu a vocação estratégica da iniciativa: consolidar informações hoje dispersas, aumentar a segurança na contratação e aproximar, de forma concreta, sustentabilidade, governança e proteção rural. Ao destacar o trabalho conjunto com seguradoras, áreas de produto e demais parceiros, a executiva de Sustentabilidade da CNseg reforçou o papel do setor segurador como elo fundamental para uma transição climática responsável no campo.
Sobre a Casa do Seguro
A Casa do Seguro estará situada em local muito próximo ao espaço oficial da COP30. Além da programação de conteúdo, promove iniciativas de responsabilidade social, prestigiando a economia e a mão de obra locais. O projeto é ambientalmente responsável e foi desenvolvido dentro dos conceitos de evento neutro e resíduo zero, prevendo ainda uso eficiente de água e energia. Com o apoio de seus empoderadores –Allianz, AXA, BB Seguros, Bradesco Seguros, Caixa Seguridade, MAPFRE, Marsh McLennan, Porto, Prudential e Tokio Marine – a Casa funciona em 1,6 mil m² de área útil, acomodando plenária com 100 lugares, seis salas de reunião, business lounges, estúdio para gravação de podcasts, sala de imprensa, espaço de convivência e área para exposições artísticas e apresentações culturais.