Entregador da Rappi, em São Paulo: expansão da startup colombiana no Brasil permitiu que a empresa se tornasse um unicórnio (Leandro Fonseca/Exame)
Com mais de 13.000 startups, uma população fortemente digitalizada e portas abertas para soluções vindas de fora, Brasil é o grande polo tecnológico da região.
Junto da reconhecida potência no agronegócio ou em energia renovável, existe um Brasil líder também em inovação na América Latina e Caribe e em contínua ascensão. Pelo terceiro ano consecutivo, o país subiu posições no Global Innovation Index (GII), o mais amplo e conceituado ranking internacional de avaliação dos países em relação aos seus ecossistemas de inovação.
Na edição de 2023, divulgada recentemente pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (WIPO, na sigla em inglês), que realiza o estudo, o Brasil foi o que mais avançou na classificação — subiu cinco degraus —, consolidando-se entre as 50 economias mais inovadoras do mundo. Segundo Sacha Wunsch-Vincent, coeditor do GII, o desempenho em inovação do país é tão expressivo que tem consistentemente superado o seu próprio nível de desenvolvimento. “Isso é fruto de esforços sustentados do Brasil para converter recursos de inovação, como a capacidade do setor corporativo de impulsionar a pesquisa e o desenvolvimento e, em geral, a excelente infraestrutura nacional de P&D, que leva a resultados como manufatura de alta tecnologia, produção de software e capacidade de produzir unicórnios”, argumenta.
No relatório, o país apresenta pontuações elevadas em indicadores como serviços governamentais online (14ª posição) e participação eletrônica (11ª), situando-se entre as 15 economias mais bem avaliadas nas duas categorias. O Brasil também se destaca por seus ativos intangíveis (31ª), com bons resultados em marcas registradas (13ª) e valor global de suas marcas (39ª).
“O Brasil prospera em um ambiente favorável ao empreendedorismo, por um lado, e com a presença de multinacionais brasileiras com valor de marca global cada vez mais forte”, pontua Wunsch-Vincent. “E há uma alta capacidade das empresas de gerar ativos intangíveis, como propriedade intelectual, software ou reputação, e de transformá-los em valor empresarial para o crescimento nacional impulsionado pela inovação”, acrescenta o especialista da WIPO. “A evolução do ecossistema brasileiro é perceptível em diversas frentes. Temos centros de inovação cada vez mais avançados, programas de apoio às startups cada vez mais maduros, novos modelos de negócios sendo aplicados tanto pelos empreendedores quanto pelos investidores, e tudo isso gera mais oportunidades, mais trocas e mais competitividade”, avalia Lívia Carbonell, coordenadora de investimentos da ApexBrasil.
Um ecossistema robusto
Os resultados positivos no GII refletem o papel fundamental da tecnologia em avanços relevantes do país nos últimos anos, permeando todos os setores, desde a inclusão de mais pessoas no sistema financeiro até a melhoria do acesso à saúde na pandemia ou o aumento da produtividade e da sustentabilidade no agronegócio. O Brasil tem hoje um ecossistema substancialmente mais robusto, na visão de Eduardo Fuentes, chefe de pesquisa da plataforma de inovação Distrito. “Os empreendedores estão cada vez mais capacitados. Contamos com um número crescente de investidores dispostos a apostar no país, as corporações reconhecem a inovação aberta como um caminho viável para melhorar seus negócios e temos um governo com uma agenda positiva em relação a esse assunto”, diz.
Esse amadurecimento explica a liderança absoluta do Brasil em número de startups na América Latina, firmando-se como o grande hub de inovação da região. São mais de 13.000 startups, representando 62,9% do total, bem à frente do segundo colocado, o México, com 11,7%, de acordo com o estudo Panorama Tech América Latina 2023, realizado pela Distrito. O país é também o campeão latino-americano em número de unicórnios, startups avaliadas em pelo menos 1 bilhão de dólares antes de abrirem capital: são 24 companhias, segundo o levantamento, o que significa que mais da metade dos unicórnios de toda a América Latina, que somam 45, está aqui.
Fintechs se destacam
O mercado financeiro é historicamente o mais forte em inovação no Brasil, abrigando o maior número de startups e concentrando o maior volume de investimentos. Fuentes salienta que, apesar da maturidade do segmento, avanços consideráveis estão acontecendo, especialmente devido a uma agenda pró-inovação altamente positiva do Banco Central nos últimos anos. “Essa abordagem tem sido fundamental para garantir um maior acesso da população a produtos financeiros, resultando na inclusão de 75 milhões de brasileiros no sistema bancário nos últimos anos. Com uma diversidade maior de opções, a concorrência se intensificou, elevando o padrão geral para todos os produtos e serviços bancários”, afirma.
Área da saúde tem espaço para inovar
Entre os campos em crescimento hoje, o da saúde é um dos que apresentam mais oportunidades. A pandemia desencadeou uma verdadeira transformação no mercado, abrindo portas para inúmeras possibilidades. Atendimento remoto, implementação de prontuários eletrônicos e uso de inteligência artificial para diagnósticos são apenas alguns exemplos desse movimento, que se beneficiaram das evoluções regulatórias e conceituais no país.
Mas ainda há muito espaço para desenvolvimento, especialmente no segmento farmacêutico. De acordo com Norberto Prestes, presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos (Abiquifi), aumentar o número de startups deep techs (capazes de desenvolver novas drogas) é um dos objetivos pela frente. Um esforço importante nessa direção é o Programa de Inovação Radical da Abiquifi, que busca convergir iniciativas governamentais e privadas para o desenvolvimento de um ecossistema de inovação voltado para a cadeia farmacêutica.
Uma das faces da articulação estratégica, que conta com o envolvimento da Anvisa, é a criação de um parâmetro regulatório que ajude a promover a inovação radical no país, em nível internacional. “A discussão de normas regulatórias será determinante para o ritmo dos avanços esperados com inovação. Isso sem esquecer do equilíbrio entre a necessidade de normativas que tragam proteção e segurança às pessoas e o respaldo para a experimentação e a aprovação de tecnologias inéditas”, diz Prestes.
Terreno fértil para startups estrangeiras
O dinâmico mercado brasileiro — não só produtor de tecnologia mas grande consumidor de inovação — é também um destino atrativo para startups estrangeiras, que buscam ganhar tração. E há espaço para crescer. Com uma população de 203 milhões de habitantes e o maior Produto Interno Bruto (PIB) da América Latina, o mercado nacional é imenso tanto em número de consumidores quanto em capacidade para abraçar novas soluções. “Também estamos bem colocados quanto à penetração da internet, com uma taxa de 81%, o que facilita o desenvolvimento de soluções tech por aqui”, pontua Eduardo Fuentes.
Esses fatores chamam a atenção de startups de fora, muitas provenientes de mercados vizinhos, que veem no Brasil uma oportunidade de expansão. “O fenômeno é observado em todos os setores, desde o financeiro até o imobiliário”, destaca.
É o caso da Rappi, startup colombiana de delivery, cujo ingresso no mercado brasileiro teve peso relevante para que a empresa atingisse o status de unicórnio em 2018. De acordo com Tijana Jankovic, vice-presidente global de negócios da Rappi, a maior base de usuários é exatamente o Brasil, ao lado do México. “Foram esses dois mercados que colocaram a companhia como um grande player de patamar mundial, na América Latina”, comenta.
Primeiro, porque o Brasil garante fatores macroeconômicos que favorecem a expansão e a sustentabilidade de negócios como o da Rappi, como grande representatividade de população urbana, alta digitalização da população e um segmento de usuários com elevado poder aquisitivo. Depois, nas palavras de Tijana, porque dos nove mercados em que a startup atua, o Brasil tem, de longe, o maior nível de exigência de produto, tecnologia e atendimento ao cliente. “Com isso, a Rappi teve que se desenvolver muito no aspecto tecnológico e operacional para, de fato, atender o usuário brasileiro com a melhor experiência possível. Esse know-how adquirido no Brasil fez com que a Rappi se desenvolvesse e se destacasse em todos os mercados onde opera”, afirma.
Apoio à entrada de novas soluções
Outro exemplo bem-sucedido é o da israelense DockTech. Usando inteligência artificial e dados dinâmicos, a empresa reproduz digitalmente as condições do leito marinho de portos e vias de navegação em tempo real, aumentando a eficiência e a segurança das operações marítimas e portuárias.
A startup entrou no mercado brasileiro com o suporte do ScaleUp in Brazil, programa premiado pela ONU da ApexBrasil e da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP) que apoia empresas internacionais inovadoras com a metodologia e as ferramentas necessárias para que comecem a operar no país. “O programa foi fundamental para que a DockTech fosse exposta aos players brasileiros e entendesse a melhor forma de atuar no nosso mercado. O objetivo foi trazer maturidade à empresa para que tivesse sucesso por aqui”, explica Raquel Kibrit, que foi a country manager da startup nesse processo de ingresso no mercado.
Missão cumprida. Associada à Wilson Sons, maior operadora integrada de logística portuária e marítima do Brasil, a israelense acaba de protagonizar um marco no país: depois de um acordo de cooperação técnica com o Porto de Santos, o maior complexo portuário da América Latina, a empresa assinou o primeiro contrato comercial de uma autoridade portuária, a Portos RS, com uma startup. Por meio dos rebocadores da Wilson Sons e outras embarcações que operam na região, a companhia vai monitorar o leito de mais de 754 quilômetros de vias navegáveis administradas pela Portos RS, em Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre, no sul do país.
Esses são alguns exemplos de como o Brasil não só é celeiro de startups como também um porto seguro para aquelas que, por aqui, querem atracar.
O revolucionário Pix
Em três anos, inovação do Banco Central se tornou o sistema de pagamento mais usado no Brasil — e recebeu prêmios internacionais pela inclusão financeira sem precedentes. Uma das grandes inovações financeiras do país é certamente a criação do Pix em 2020 pelo Banco Central. O sistema de pagamento instantâneo brasileiro é um dos mais bem-sucedidos do mundo. O êxito do sistema é nítido: após três anos do lançamento, ele já supera todas as demais formas de transacionar dinheiro no país, como cartões de crédito, débito ou boleto. Somente em um dia, 6 de outubro, por exemplo, foram realizadas 163 milhões de transferências via Pix, segundo o Banco Central. Pela inclusão financeira sem precedentes promovida pela ferramenta, o Pix acaba de receber um prêmio internacional nos Estados Unidos, o Bravo Business Awards, que reconhece a excelência e a liderança em negócios e políticas públicas.
Lilian Rambaldi
https://exame.com/
Parabéns!