O Brasil vive uma dupla emergência no mercado de trabalho. De um lado, um déficit estrutural de profissionais qualificados na área de tecnologia; de outro, uma revolução provocada pela inteligência artificial (IA), que redefine as habilidades exigidas em praticamente todas as ocupações. A combinação desses dois fatores coloca o país diante de um desafio sem precedentes: garantir que a força de trabalho esteja preparada para um futuro que já começou.
A Brasscom estima que o setor de tecnologia ainda sofre com uma lacuna de cerca de 80 mil profissionais por ano. Essa escassez, que atravessa anos sem solução definitiva, é agravada pela dificuldade de adaptação dos sistemas educacionais e de qualificação profissional. Segundo o Fórum Econômico Mundial, 63% das empresas brasileiras apontam o gap de habilidades como a principal barreira para sua transformação digital.
Formação como ecossistema, não como esforço isolado
Em um dos debates promovidos durante a Semana Caldeira, especialistas reforçaram que o enfrentamento do problema passa pela criação de um ecossistema de formação colaborativo. David Baptista, fundador do movimento LALA, destacou a necessidade de pensar o desenvolvimento de talentos como um esforço interconectado. “Aprendemos que uma árvore fora da floresta não é igual. O que nós precisamos é a diversidade da floresta. E essa coletividade na floresta dá uma grande mudança.”
Andrea Batsu, da Generation Brasil, foi enfática ao defender a construção de alianças entre empresas, governo, instituições de ensino e organizações do terceiro setor. “Ter um esforço coletivo com empresas, governos, associações, escolas, ecossistemas vai ser necessário mais do que desejável, pra gente conseguir resolver a questão do talento.”
Affonso Nina, da Brasscom, propõe a criação de um “hub de carreiras”, capaz de articular todos esses atores em torno de uma agenda comum de formação e empregabilidade, com foco na nova economia.
IA acelera transformação e torna adaptação urgente
Se o apagão de talentos já representava um desafio estrutural, a chegada da IA generativa impõe um novo grau de urgência. Para a pesquisadora Alexandra Debone, da Universidade Federal de Alagoas, a inteligência artificial deve ser encarada como uma revolução industrial em tempo acelerado: enquanto a primeira levou cem anos para alterar o cotidiano das pessoas, a IA começa a fazer isso em apenas cinco.
A mudança já impacta a forma como empresas organizam suas equipes. Rodrigo Bressa, da Salesforce, define o momento como uma “revolução do trabalho digital”, em que agentes de IA atuarão lado a lado com humanos. Segundo pesquisa da IBM, 56% dos CEOs globais estão contratando para cargos que não existiam no ano anterior.
A resposta das Big Techs tem sido expandir iniciativas de formação em escala. A IBM, por exemplo, mantém o programa SkillsBuild, que oferece treinamentos gratuitos para milhões de pessoas em todo o mundo e já atua no Instituto Caldeira. A Salesforce anunciou um investimento de US$250 mil no próprio Caldeira para financiar ações de capacitação e inclusão de jovens no mercado digital, sinalizando a intenção de transformar Porto Alegre em um polo de inovação voltado ao futuro do trabalho.
Educação básica é o gargalo estrutural
Apesar das iniciativas, o sistema educacional brasileiro ainda é um obstáculo para uma transformação mais profunda. “No Brasil, apenas 5% dos nossos alunos atingem o nível esperado em matemática no ensino médio”, alertou Alexandra Debone. “Então, imagine isso. Como vamos ensinar sobre IA?”
O dado escancara a fragilidade da base educacional diante da complexidade da transformação em curso. Em resposta, o Instituto Caldeira tem atuado como articulador de ações voltadas à formação de talentos e à inclusão produtiva, apostando no fortalecimento de uma comunidade comprometida com o desenvolvimento sustentável do ecossistema de inovação.