Alex de Souza
Circularidade na Cadeia Produtiva da Moda foi o tema do webinar realizado pela Fiesp na terça-feira (23/9). O encontro foi mediado pela professora Carolina Pavese, diretora da Impacta Consultoria Estratégica, e presidido por Wayner Machado, diretor titular do Comitê da Cadeia Produtiva da Moda (Conmoda) da Fiesp.
Machado destacou a importância do tema e defendeu que seja tratado como política estratégica por aqueles que formulam políticas públicas. “É necessário que o governo estimule o investimento para a criação de uma economia verdadeiramente circular”, disse. “Essa agenda deve ser prioritária”.
A fim de entender o contexto europeu, a Fiesp ouviu a especialista em Economia Circular da Agência Europeia do Ambiente (EEA), Sanna Due, que trouxe dados sobre o consumo de produtos têxteis na Europa, onde se verificou aumento nos últimos 15 anos. Ela chamou a atenção para o fato de que, atualmente, a população destina 5% de sua renda, em média, para a aquisição de roupas.
“Isso gera cerca de 16 quilos de resíduos por pessoa ao ano, o que corresponde a um terço do descarte têxtil da União Europeia”, disse. Due lembrou que a chamada “moda rápida” já perdeu força como tendência, porque os consumidores não querem produtos de má qualidade e insustentáveis. Para reverter esse quadro, apontou a necessidade de mudança sistêmica, que inclua design mais durável, reciclável, reparável e multifuncional.
Ela também destacou práticas a serem revistas, como a destruição de peças não vendidas ou devolvidas, e defendeu maior reutilização e conserto de roupas. “Precisamos ser inovadores, mas também contar com o apoio dos agentes reguladores. Sem isso, não conseguiremos caminhar na direção de uma economia verdadeiramente circular”, concluiu.
Melhorar processos – As soluções precisam ser inovadoras, o que não significa que devam ser complexas. Essa é a opinião de Henrique Pacini, membro sênior da gerência do Programa de Manufatura Sustentável e Poluição Ambiental (SMEP), uma iniciativa implementada em parceria com a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD).
Ele explicou que o programa, financiado pelo Reino Unido, apoia atualmente 23 projetos ativos, sendo dez deles focados em plásticos e outros voltados para têxteis e resíduos orgânicos. A iniciativa já mobilizou diretamente centenas de pessoas e, de forma indireta, mais de 10 mil trabalhadores na África e no sul da Ásia, com foco em colaborações multinacionais e interdisciplinares.
Pacini ressaltou o papel da inovação com fibras alternativas, como as derivadas de abacaxi e banana, e fibras semissintéticas. Para ele, a circularidade na moda deve avançar em três dimensões: melhores produtos, com uso de fibras naturais, design monomaterial, para facilitar a separação e reciclagem, e a adoção de modelos de take back, ou seja, de devolução de produtos do consumidor para o fabricante.
“Precisamos estender o uso, por meio de roupas de segunda mão e com maior durabilidade. Na União Europeia, a média é de apenas sete usos antes do descarte, isso pode ser ampliado”, sugeriu.
Pacini defendeu a melhoria de alguns processos, como o tratamento e recuperação de água em fábricas, o fortalecimento de mercados secundários de algodão e poliéster, e promoção da cooperação tecnológica entre Brasil e sul da Ásia.
Em relação à rastreabilidade, afirmou ser condição essencial para garantir acesso a mercados internacionais. “É preciso mostrar que o produto foi feito respeitando leis trabalhistas, direitos humanos e requisitos ambientais. Isso condiciona a entrada de nossos produtos especialmente no mercado europeu, muito exigente”, destacou.
Ele concorda que o papel dos governos é agir como agentes transformadores. “O setor público pode fazer muito. Pode reduzir subsídios para produtos lineares, ajustar tarifas de importação, promover a circularidade em licitações e investir em pesquisa e desenvolvimento para reduzir riscos de escala”, afirmou.
Moda competitiva – A lógica industrial da moda ainda se baseia em extrair, produzir e descartar, um modelo herdado da Revolução Industrial. Essa realidade, de acordo com o gerente de Inovação para a América Latina da Ellen MacArthur Foundation, Gustavo Alves, precisa mudar.
“Hoje, a produção de roupas dobrou, enquanto a utilização caiu em um terço. A cada segundo, um caminhão cheio de resíduos têxteis vai para aterros ou incineração”, alertou. Ele ressaltou que menos de 1% do material utilizado é reciclado em novas roupas, o que representa uma perda de US$ 460 bilhões ao ano em peças descartadas antes do tempo.
Para Alves, a economia circular é uma saída para manter a moda competitiva sem depender do uso intensivo de recursos finitos. “Precisamos de design circular, com roupas feitas para durar mais, que sejam fáceis de separar e reciclar, seguras do ponto de vista químico e produzidas com materiais reciclados ou renováveis”, sugeriu.
“Mudar o sistema é muito difícil de uma hora para outra, mas a economia circular é a chave para eliminar resíduos, regenerar a natureza e manter a moda ambientalmente responsável e economicamente viável”, finalizou.