A adoção de inteligência artificial deixou de ser promessa e já pressiona empresas a mostrar resultados concretos. A transição de experimentos para soluções em escala envolve riscos, exige mudança cultural e passa por decisões críticas — da qualidade dos dados ao modelo de governança. No Brasil, alguns dos maiores grupos empresariais vêm estruturando caminhos para lidar com esse desafio. O tema esteve no centro do painel “Da visão à prática”, realizado no Fórum Executivo do The Developers Conference São Paulo 2025.
Na Petrobras, Fernando Garcia relatou a criação de um ambiente interno de testes — o “parquinho de diversões” — que permite experimentar com segurança antes de colocar em produção. Dali surgiu o “Ouve Aí”, aplicação que transcreve e analisa entrevistas de compliance, já usada em mais de 600 processos. “A gente percebe que deu certo quando o usuário não consegue mais trabalhar sem a ferramenta”, afirmou.
Na Vivo, William Marcelo Marques Bueno descreveu um fluxo que começa com capacitação, descoberta conjunta com a área de negócios e protótipos rápidos. Só avança o que comprova ganho, com validação financeira e acompanhamento posterior. “Existe muita expectativa inflada. A experimentação é fundamental para ajustar rotas e evitar frustração”, disse.
Cultura e adoção: o ativo crítico
Apesar do avanço técnico, a barreira central segue sendo humana. “A IA continua me decepcionando porque é difícil fazer com que ela seja adotada pelas pessoas”, disse Garcia, ao defender programas de alfabetização em IA segmentados para operação, líderes e conselho. A Petrobras estruturou treinamentos específicos para novos colaboradores e também para novos gestores.
O Itaú trouxe o contraste entre iniciativas internas de produtividade e ofertas ao cliente final, que exigem validação rigorosa. Gabriel Pegorelli citou o Pix via WhatsApp — interação que permite pagamentos por texto, voz ou imagem — como exemplo de “porta para fora” com testes e segurança reforçados. Por dentro, a adoção espontânea de assistentes de programação mudou o patamar da engenharia: “Tem gente que diz que não consegue mais trabalhar sem”.
Outro ponto recorrente foi a qualidade do uso. “Ainda existe a expectativa de que a IA funcione sozinha, como um botão mágico”, disse Pegorelli. Solicitações mal formuladas, falta de iteração e desconhecimento de limites técnicos comprometem resultados. A resposta do trio passa por capacitação prática e por envolver o usuário na construção — o que acelera a adoção e reduz retrabalho.
Aprendizados técnicos e decisões de arquitetura
A Vivo relatou duas frustrações que viraram aprendizado: geração de imagens — difícil de encaixar nas diretrizes de marca — e os primeiros buscadores internos com IA, que exigiram reescrever conteúdos e ajustar parâmetros até atingir boa precisão. O caminho, segundo Bueno, é combinar governança central com liberdade controlada para as áreas de negócio, dando autonomia sem abrir mão de segurança.
No Itaú, a lição foi priorizar parceiros confiáveis e reduzir a troca constante de ferramentas para não andar em círculos. Já a Petrobras destacou a trilha de produção: uma vez validado o protótipo, ele segue metodologias de arquitetura, segurança e transformação digital para virar serviço escalável, evitando duplicação de esforços entre áreas.
O que diferencia esta “era da IA”, segundo o painel: escala e velocidade (Itaú), uso por qualquer colaborador e não só pela área de tecnologia (Petrobras) e a combinação inédita de algoritmos, dados e poder computacional (Vivo). O consenso final do palco resume a passagem da visão à prática: dados organizados, governança desde o início, envolvimento do usuário e métricas de negócio — antes de falar em escala.